Salvador me lambeu

Como é necessário o mudar de lugar. Alargar o olhar. Se deixar penetrar de outros ambientes.
Sete dias em Salvador foram suficientes para me inspirar, estimular, alimentar as percepções, visualmente principalmente.
Pois que sim já morei lá e aprendi a brincar, nadar ver o movimento do vento nos coqueiros ao viajar deitada no banco de trás da antiga Parati prata de painho. Aprendi a esperar na fila do ferry-boat pra atravessar pra Ilha de Itaparica. Entrar naquela baleia de ferro quente e permeada de labirintos para uma menina de cinco anos. Uma hora de travessia era uma eternidade. Ficar ali debruçada do lado de fora escutando o bater das ondas no casco e sentir o mínimo balanço que me fazia inevitavelmente enjoar. Valia a alegria de escutar o apito avisando que todos deveriam voltar aos carros pois o desembarque estava iminente. Da liberdade de correr na praia e subir nas árvores com meu irmão. E na volta sempre pentelhar mainha perguntando quando voltaríamos - eu sempre funcionando na base da agenda - e ela impaciente respondia "nem sei se eu vou estar viva semana que vem, minha filha", como quem diz deixe de ansiedade.
Hoje já não me preocupo se terei data para voltar aos lugares. Essa ansiedade é administrada na base da gratidão da oportunidade que me é dada nessa vida de estar no lugar.
Nessa visita tive a chance de sair no Bloco De Hoje a 8. Minha amiga que toca me convidava há anos e finalmente me determinei a ir. Me surpreendi. Me surpreendi pelo clima das ruas pequenas de casas coloridas coladas infinitamente uma na outra. Aquelas casas de cem anos com as grades trabalhadas, janelas todas abertas, famílias na porta esperando o bloco passar.
Aí quando chegou a banda de tamborins, chocalhos e estandarte eu entendi. Entendi as pessoas, as fantasias e maquiagens iluminadas pela luz de halogênio dos postes. Entendi a leveza de ainda se poder brincar de graça pelas ruas sem medo de nada. Entendi se formar em meio aos desconhecidos que se tornam um grande grupo de amigos. A satisfação foi tanta que eu simplesmente me calava e deixava aquela amálgama de risos, olhares e cores impregnasse minha pela, entrasse pelas minhas pupilas e se derramasse em minha mente. Que minha memória abrisse as comportas pois entendi também o quanto aquele momento estava sendo inspirador, o quanto aquilo me renderia em estímulo criativo no futuro, quão rico é saber estar aberta à experiência e ser grata pelo respirar da hora. Pela batida do segundo de estar viva.
Obrigada, Salvador por me fazer entender o quanto me foi e me é importante que você existiu e exista ainda em mim.
Estou contigo aqui assim naquela infância fácil de ladeira.

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